As lições que vêm de Brockton
“Nunca duvide que um pequeno grupo de pessoas engajadas e comprometidas pode mudar o mundo. Na verdade, é a única coisa que, de fato, muda”. A frase aparece em um cartaz na porta do escritório de Susan Szachowicz, diretora da escola Brockton High School, em Massachussets, Estados Unidos. Não podia ser uma citação mais apropriada. Susan e “um pequeno grupo de pessoas comprometidas” podem não ter mudado o mundo, mas com certeza mudaram a vida e o futuro dos milhares de alunos que estudam ou estudaram recentemente em Brockton.
A bem sucedida reforma educacional realizada na escola americana foi tema de um seminário promovido pela Fundação Lemann no final do ano passado. Com base em um programa focado no desenvolvimento das habilidades de escrita e leitura dos alunos, em dez anos, a escola deixou para trás resultados vergonhosos e índices de reprovação altíssimos em exames oficiais para se tornar uma referência no país (veja os resultados na imagem abaixo). O reconhecimento veio de fontes diversas: a escola virou tema de um estudo de Harvard sobre bons exemplos e de uma série de reportagens em emissoras de TV e jornais, incluindo uma no The New York Times.
O interessante é que não se trata de uma reforma bem-sucedida em uma escola charter (o modelo americano de escolas públicas com gestão privada, que vem trazendo alguns bons resultados). Brockton, na verdade, tinha todas as desculpas para ter péssimos resultados. A escola é enorme (mais de 4 mil alunos), seus alunos são de famílias muito pobres (veja quadro abaixo) e os índices de violência são altos na região. No final de abril, um aluno esfaqueou um colega durante uma briga na escola – um sinal de que mesmo com toda a mudança de cultura, ainda há muitas dificuldades diárias a serem enfrentadas. Apresentar os resultados que apresenta – apesar de todos esses desafios – é o que faz de Brockton um caso de sucesso especial.
No início deste ano, estive na escola para conhecer de perto a experiência e entrevistar Susan, a diretora que está à frente da reforma desde o início. Depois de uma manhã inteira mergulhada no ambiente da Brockton High School, é impossível não se deixar contagiar (e emocionar) pelo trabalho apaixonado e diligente de toda a sua equipe.
Acredito que ao assistir os vídeos da entrevista com a diretora e de um trecho de uma aula de matemática, que seguem abaixo, os leitores também serão tomados por essa sensação.
No seminário realizado em dezembro aqui no Brasil, o diretor assistente da escola, Matthew Crowley, explicou em detalhes o que mudou no dia a dia de Brockton, quais foram as práticas pedagógicas adotadas e comentou as resistências que enfrentaram. O conteúdo da palestra (vídeos e apresentações) pode ser acessado na íntegra, clicando aqui. A seguir, faço apenas um breve relato dos três aspectos que considero mais relevantes para o sucesso da reforma de Brockton – e que pude verificar pessoalmente durante a visita. São princípios e práticas bastante simples, mas que foram implementados com consistência e persistência.
Torço para que a disseminação dessa experiência no Brasil possa orientar e inspirar nossos gestores e professores a trabalhar com a mesma obstinação pelo sucesso de seus alunos.
1) A escola e seus professores têm a obrigação de fazer com que os alunos aprendam
Em Brockton, não é o aluno que tem a obrigação de aprender. É o professor e a escola que têm a obrigação de fazer com que o aluno aprenda.
Parece um simples jogo de palavras, mas é, na verdade, um conceito que muda muita coisa: coloca os alunos que não apresentam bom desempenho no foco do trabalho dos professores; aumenta o controle da equipe gestora em relação à presença dos alunos (e dos professores) na escola e nas aulas; cria uma cultura escolar de que não se pode deixar ninguém para trás.
Dois depoimentos de alunos – um colhido durante a visita e outro documentado em uma reportagem de TV – resumem bem esse conceito.
Na reportagem de uma rede de TV americana, o repórter pergunta a um aluno de Brockton o que ele mais gosta na escola. A resposta é poderosa: “A escola não te deixa fracassar. Acredite, eu tentei”.
Na mesma linha, o brasileiro Michael Cordeiro, que está em Brockton há um ano, me deu uma outra resposta interessante durante uma conversa no refeitório da escola. Ele contava que vinha de uma escola da Flórida e que estudar em Brockton era muito melhor. Pergunto o porquê e ele parece ter dificuldade de responder. Pensa, parece tentar elaborar algum raciocínio complexo, mas depois de um tempo se sai com uma resposta simples, sem sequer se dar conta da força do que diz: “Ah, porque aqui é mais fácil de aprender”.
E facilitar o aprendizado para todos os alunos não deveria ser, afinal, o objetivo de toda escola?
2) Toda a equipe é comprometida com o trabalho que se faz na escola – e tem orgulho dos resultados
O principal indicador de que as pessoas que trabalham em Brockton acreditam no que estão fazendo é que seus filhos e parentes estão matriculados na escola. A sobrinha da coordenadora estuda lá. Os três filhos da professora com que conversei no corredor também. Não devem ser muitos os casos no Brasil em que você encontra gestores e professores dispostos a matricular seus próprios filhos nas escolas públicas em que ensinam.
Em Brockton, da senhora que serve o almoço, passando pelos professores e coordenadores pedagógicos, todos os funcionários falam com orgulho da reforma educacional que ajudaram a implementar e têm na ponta da língua os princípios e conceitos que estão por trás das mudanças.
O ponto positivo desse engajamento é que as coisas não dependem de uma única pessoa para acontecer da maneira que acontecem. Se Susan Szachowicz, a diretora carismática que liderou o início da mudança, deixar a escola amanhã, as práticas e políticas continuarão as mesmas. E isso é decisivo para qualquer reforma que deseje resultados sustentáveis.
Em sua entrevista, Susan é bastante realista e conta que não foi sempre assim: “Você nunca terá uma adesão como essa antes de começar a mostrar resultados. As pessoas antes faziam as coisas porque a direção lhes dizia para fazer. Hoje, fazem porque sabem que funciona”.
3) A reforma teve foco e foi implementada com muita persistência
Ao entrar em uma sala onde os alunos tinham aula de produção visual (disciplina eletiva do currículo), deparei com todos eles acompanhando a leitura do trecho de um livro, feita em voz alta por um colega. Na aula de matemática que filmei (e que pode ser vista no vídeo abaixo), o exercício começa com a leitura de um problema e a decomposição do enunciado.
O foco absoluto em leitura e expressão escrita é a base da reforma realizada em Brockton. Em todas as aulas, todos os professores trabalham leitura e escrita com seus alunos. Em todos os ambientes da escola, pode-se ver os “literacy charters” nas paredes – quadros que explicam o que se pretende alcançar com os 4 pilares da reforma (leitura, escrita, fala e argumentação).
O fato de que as mudanças em Brockton se baseiam em algo tão básico (afinal, ensinar leitura e escrita não é nada revolucionário na pedagogia) é uma das explicações de seu sucesso, segundo a diretora Susan Szachowicz. “Soluções mirabolantes não funcionam em educação”, diz. “O importante é saber o que você quer atingir com suas iniciativas e perseguir essa meta até o fim”. Ou seja: foco e persistência.
Não por acaso, o livro de cabeceira de Susan, que ela recomenda com entusiasmo, é Focus: Elevating the Essentials to Radically Improve Student Learning (ainda sem tradução em português), um livro que foge de soluções revolucionárias na educação e propõe concentrar a atenção naquilo que é essencial para o aprendizado.
“Não gosto quando leio ou ouço falar que fizemos uma revolução em Brockton. Levamos dez anos para chegar onde chegamos. Isso não é revolução. É trabalho duro mesmo”, diz Susan.
Fonte: http://www.lideresemgestaoescolar.org.br/ideiasemeducacao/blog/as-licoes-que-vem-de-brockton
A bem sucedida reforma educacional realizada na escola americana foi tema de um seminário promovido pela Fundação Lemann no final do ano passado. Com base em um programa focado no desenvolvimento das habilidades de escrita e leitura dos alunos, em dez anos, a escola deixou para trás resultados vergonhosos e índices de reprovação altíssimos em exames oficiais para se tornar uma referência no país (veja os resultados na imagem abaixo). O reconhecimento veio de fontes diversas: a escola virou tema de um estudo de Harvard sobre bons exemplos e de uma série de reportagens em emissoras de TV e jornais, incluindo uma no The New York Times.
O interessante é que não se trata de uma reforma bem-sucedida em uma escola charter (o modelo americano de escolas públicas com gestão privada, que vem trazendo alguns bons resultados). Brockton, na verdade, tinha todas as desculpas para ter péssimos resultados. A escola é enorme (mais de 4 mil alunos), seus alunos são de famílias muito pobres (veja quadro abaixo) e os índices de violência são altos na região. No final de abril, um aluno esfaqueou um colega durante uma briga na escola – um sinal de que mesmo com toda a mudança de cultura, ainda há muitas dificuldades diárias a serem enfrentadas. Apresentar os resultados que apresenta – apesar de todos esses desafios – é o que faz de Brockton um caso de sucesso especial.
No início deste ano, estive na escola para conhecer de perto a experiência e entrevistar Susan, a diretora que está à frente da reforma desde o início. Depois de uma manhã inteira mergulhada no ambiente da Brockton High School, é impossível não se deixar contagiar (e emocionar) pelo trabalho apaixonado e diligente de toda a sua equipe.
Acredito que ao assistir os vídeos da entrevista com a diretora e de um trecho de uma aula de matemática, que seguem abaixo, os leitores também serão tomados por essa sensação.
No seminário realizado em dezembro aqui no Brasil, o diretor assistente da escola, Matthew Crowley, explicou em detalhes o que mudou no dia a dia de Brockton, quais foram as práticas pedagógicas adotadas e comentou as resistências que enfrentaram. O conteúdo da palestra (vídeos e apresentações) pode ser acessado na íntegra, clicando aqui. A seguir, faço apenas um breve relato dos três aspectos que considero mais relevantes para o sucesso da reforma de Brockton – e que pude verificar pessoalmente durante a visita. São princípios e práticas bastante simples, mas que foram implementados com consistência e persistência.
Torço para que a disseminação dessa experiência no Brasil possa orientar e inspirar nossos gestores e professores a trabalhar com a mesma obstinação pelo sucesso de seus alunos.
1) A escola e seus professores têm a obrigação de fazer com que os alunos aprendam
Em Brockton, não é o aluno que tem a obrigação de aprender. É o professor e a escola que têm a obrigação de fazer com que o aluno aprenda.
Parece um simples jogo de palavras, mas é, na verdade, um conceito que muda muita coisa: coloca os alunos que não apresentam bom desempenho no foco do trabalho dos professores; aumenta o controle da equipe gestora em relação à presença dos alunos (e dos professores) na escola e nas aulas; cria uma cultura escolar de que não se pode deixar ninguém para trás.
Dois depoimentos de alunos – um colhido durante a visita e outro documentado em uma reportagem de TV – resumem bem esse conceito.
Na reportagem de uma rede de TV americana, o repórter pergunta a um aluno de Brockton o que ele mais gosta na escola. A resposta é poderosa: “A escola não te deixa fracassar. Acredite, eu tentei”.
Na mesma linha, o brasileiro Michael Cordeiro, que está em Brockton há um ano, me deu uma outra resposta interessante durante uma conversa no refeitório da escola. Ele contava que vinha de uma escola da Flórida e que estudar em Brockton era muito melhor. Pergunto o porquê e ele parece ter dificuldade de responder. Pensa, parece tentar elaborar algum raciocínio complexo, mas depois de um tempo se sai com uma resposta simples, sem sequer se dar conta da força do que diz: “Ah, porque aqui é mais fácil de aprender”.
E facilitar o aprendizado para todos os alunos não deveria ser, afinal, o objetivo de toda escola?
2) Toda a equipe é comprometida com o trabalho que se faz na escola – e tem orgulho dos resultados
O principal indicador de que as pessoas que trabalham em Brockton acreditam no que estão fazendo é que seus filhos e parentes estão matriculados na escola. A sobrinha da coordenadora estuda lá. Os três filhos da professora com que conversei no corredor também. Não devem ser muitos os casos no Brasil em que você encontra gestores e professores dispostos a matricular seus próprios filhos nas escolas públicas em que ensinam.
Em Brockton, da senhora que serve o almoço, passando pelos professores e coordenadores pedagógicos, todos os funcionários falam com orgulho da reforma educacional que ajudaram a implementar e têm na ponta da língua os princípios e conceitos que estão por trás das mudanças.
O ponto positivo desse engajamento é que as coisas não dependem de uma única pessoa para acontecer da maneira que acontecem. Se Susan Szachowicz, a diretora carismática que liderou o início da mudança, deixar a escola amanhã, as práticas e políticas continuarão as mesmas. E isso é decisivo para qualquer reforma que deseje resultados sustentáveis.
Em sua entrevista, Susan é bastante realista e conta que não foi sempre assim: “Você nunca terá uma adesão como essa antes de começar a mostrar resultados. As pessoas antes faziam as coisas porque a direção lhes dizia para fazer. Hoje, fazem porque sabem que funciona”.
3) A reforma teve foco e foi implementada com muita persistência
Ao entrar em uma sala onde os alunos tinham aula de produção visual (disciplina eletiva do currículo), deparei com todos eles acompanhando a leitura do trecho de um livro, feita em voz alta por um colega. Na aula de matemática que filmei (e que pode ser vista no vídeo abaixo), o exercício começa com a leitura de um problema e a decomposição do enunciado.
O foco absoluto em leitura e expressão escrita é a base da reforma realizada em Brockton. Em todas as aulas, todos os professores trabalham leitura e escrita com seus alunos. Em todos os ambientes da escola, pode-se ver os “literacy charters” nas paredes – quadros que explicam o que se pretende alcançar com os 4 pilares da reforma (leitura, escrita, fala e argumentação).
O fato de que as mudanças em Brockton se baseiam em algo tão básico (afinal, ensinar leitura e escrita não é nada revolucionário na pedagogia) é uma das explicações de seu sucesso, segundo a diretora Susan Szachowicz. “Soluções mirabolantes não funcionam em educação”, diz. “O importante é saber o que você quer atingir com suas iniciativas e perseguir essa meta até o fim”. Ou seja: foco e persistência.
Não por acaso, o livro de cabeceira de Susan, que ela recomenda com entusiasmo, é Focus: Elevating the Essentials to Radically Improve Student Learning (ainda sem tradução em português), um livro que foge de soluções revolucionárias na educação e propõe concentrar a atenção naquilo que é essencial para o aprendizado.
“Não gosto quando leio ou ouço falar que fizemos uma revolução em Brockton. Levamos dez anos para chegar onde chegamos. Isso não é revolução. É trabalho duro mesmo”, diz Susan.
Fonte: http://www.lideresemgestaoescolar.org.br/ideiasemeducacao/blog/as-licoes-que-vem-de-brockton