O projeto político-pedagógico (PPP) da escola pode ser inicialmente entendido como um processo de mudança e de antecipação do futuro, que estabelece princípios, diretrizes e propostas de ação para melhor organizar, sistematizar e significar as atividades desenvolvidas pela escola como um todo. Sua dimensão político-pedagógica pressupõe uma construção participativa que envolve ativamente os diversos segmentos escolares. Ao desenvolvê-lo, as pessoas ressignificam suas experiências, refletem suas práticas, resgatam, reafirmam e atualizam valores, explicitam seus sonhos e utopias, demonstram seus saberes, dão sentido aos seus projetos individuais e coletivos, reafirmam suas identidades, estabelecem novas relações de convivência e indicam um horizonte de novos caminhos, possibilidades e propostas de ação. Este movimento visa à promoção da transformação necessária e desejada pelo coletivo escolar e comunitário. Nesse sentido, o projeto político-pedagógico é praxis, ou seja, ação humana transformadora, resultado de um planejamento dialógico, resistência e alternativa ao projeto de escola e de sociedade burocrático, centralizado e descendente. Ele é movimento de ação-reflexão-ação, que enfatiza o grau de influência que as decisões tomadas na escola exercem nos demais níveis educacionais.
Ao pensar e plantar o PPP – mais do que implementar ou implantar – as relações estabelecidas na escola podem resgatar a alegria a felicidade existente no espaço educacional, festejar o encontro das pessoas e dos grupos, multiplicar os espaços de trocas e de relações inter-transculturais (PADILHA, 1999-2002). Este projeto se caracteriza por ser eco-político-pedagógico: ética e estética, sustentabilidade e virtualidade – referências e princípios indispensáveis para a operacionalização, concretização do mesmo.
Na perspectiva da Escola Cidadã, a elaboração do projeto político-pedagógico deve começar pela reflexão sobre a prática para, em seguida, fundamentá-la. Mas isso só é possível se criarmos as condições concretas para a formação continuada do/a professor/a e de todos os segmentos escolares, tarefa dos governos responsáveis pelas respectivas redes ou sistemas de ensino e também da própria escola. Esta, ao iniciar a construção do seu projeto, inicia um processo de formação continuada da comunidade escolar, demanda que vai surgindo de forma mais evidente dada as características desse trabalho que por isso é, em si mesmo, político-pedagógico e formativo.
Aprende-se fazendo e, ao se fazer, aprende-se a (re)aprender. O conjunto destas (re)aprendizagens, reflexões, ações e relações, somado ao trabalho pedagógico, administrativo, financeiro e comunitário da escola – tudo registrado como resultado da leitura do mundo, deve ser traduzido na forma de princípios, diretrizes e propostas de ação. E isso nos possibilita estruturar o PPP da escola, bem como organizar ou reorganizar o seu currículo.
Por onde começar a construção do projeto político-pedagógico?
Transformar a experiência educativa em algo puramente técnico seria amesquinhar o caráter humano da formação da pessoa (Paulo Freire, 1997). O mesmo autor nos fala da importância do estímulo à curiosidade, imaginação, emoção, intuição do aluno e do professor, sempre associados à necessária rigorosidade da pesquisa científica. Nesse contexto, consideramos que vários são os caminhos para iniciar, na escola, a elaboração do seu projeto político-pedagógico. Optamos por oferecer um indicador que visa à (re)construção de uma escola mais bela, prazerosa e aprendente.
Quem gosta de freqüentar uma escola suja, feia, depredada, pichada, cheia de muros e de grades? Sentir-se bem na escola exige a preocupação constante com a sua estrutura física, com a conservação das suas dependências e dos diferentes espaços como o seu jardim, a sua horta, as suas possíveis áreas livres e esportivas para que alunos, professores e comunidade possam ocupá-las e freqüentá-las de forma lúdica, alegre, científica, pedagógica. Mas isso não basta.
Importância ainda maior devemos dar à qualidade e à beleza das relações pessoais, interpessoais e grupais que lá se estabelecem. Se a escola não conta com estes espaços de trocas e de relações, razão maior possui para que se dedique a reivindicá-los, a lutar politicamente por eles e, por conseguinte, a conquistá-los. Nenhuma mudança fundamental acontece gratuitamente, sem esforços, sem luta e sem conflito. Aí está também a dimensão política do ato educativo. Daí a necessidade do PPP, processo no qual registramos tais demandas, criando movimentos favoráveis ao alcance das mudanças desejadas. Necessidades e desejos que mobilizam a ação e o desenvolvimento de processos profundamente pedagógicos.
A Festa da Escola Cidadã como primeiro momento da “leitura do mundo”
Consideramos que “ensinar e aprender não podem dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria” (FREIRE, 1997:160). Falar em Festa da Escola Cidadã significa isso: ousadia e enfrentamento do risco e a necessidade de evitarmos atitudes que possam diminuir o significado desta festa, da festa que é do povo, como se falar em festa significasse “apenas” um momento de lazer, ou de brincadeira, ou de “oba-oba”. Reiteramos: freirianamente falando, a realização da festa na escola traduz a incorporação da informalidade ao currículo. Daí a sua dimensão político-pedagógica ao significar, sobretudo, uma reflexão sócio-antropológica da realidade em que está inserida a escola.
A festa é o primeiro momento da “leitura do mundo” para a construção do projeto político-pedagógico da escola, conhecimento da realidade para nela intervirmos democrática e participativamente.
Encontramos os fundamentos desta proposta no conjunto de princípios políticos, filosóficos e pedagógicos desenvolvidos por Paulo Freire, nas várias Pedagogias que escreveu e que a tantos incentivou a escrever e a praticar.
A festa “é um evento excepcional, e o é assim exatamente porque rompe as lógicas do comum, mas esta peculiaridade subentende, no seu interior, muitas e profundas variáveis de sentido, de valores, de modalidades participativas” (GIACALONE, In: FLEURI, 1998:127). Ao realizarmos a festa na escola estaremos também colaborando para o reconhecimento da multiculturalidade. Esta, “torna-se intercultura quando as diferentes dimensões entram em relação: “colocam-se em jogo”. (Idem, 1998:135).
Algumas perguntas podem orientar o sempre indispensável registro da experiência da leitura do mundo via festa. Por exemplo, o que, com quem e como nos organizamos? Quais as nossas dificuldades e facilidades? O que não conseguimos fazer? Onde avançamos? Quais os conflitos, retrocessos, aprendizagens e ensinamentos observados? Quais as descobertas mais significativas da experiência, os êxitos, os problemas a enfrentar, as sensações, emoções e relações criadas e estabelecidas durante a realização das várias atividades da festa? O que deu mais prazer e mais medo? Como conseguimos superar as dificuldades e os problemas surgidos? Enfim, o que devemos fazer de novo e o que não vale à pena repetir?
Com estas e outras perguntas, estaremos reunindo elementos fundamentais para organizarmos a escrita, digamos, mais formal, do projeto político-pedagógico da escola e reunindo elementos concretos, contextualizados e, sobretudo, vivenciados pelos diversos segmentos escolares para melhor ressignificarmos o currículo escolar. Favoreceremos, assim, a aprendizagem dos alunos. Teremos em mãos as informações iniciais para a definição dos princípios, das diretrizes e das propostas de ação do nosso projeto de escola, de cidade, de sociedade e de mundo.
Insistimos: a escola precisa escrever a sua história, registrar a sua experiência de várias maneiras: por escrito, em vídeo, em áudio, através de fotografias, desenhos e outras formas criativas de registro. Assim, terá mais elementos para pensar o futuro e, então, escrever o seu projeto político-pedagógico, a sua proposta pedagógica, consubstanciados em dados concretos da realidade, que tenham por referência as experiências locais da comunidade escolar, comparadas e relacionadas ao contexto planetário em que vive.
Para operacionalizar a leitura do mundo, na perspectiva da Festa da Escola Cidadã, sugerimos alguns possíveis passos:
1º - Discutir com a comunidade escolar o significado desta Festa.
2º - Constituir uma Comissão que organize e coordene este processo na escola, em sintonia com os outros colegiados escolares.
3º - Criar espaços para que a toda a comunidade escolar possa decidir sobre como será a festa em todas as suas dimensões.
4º - Definir responsabilidades, atribuições, cronograma das ações e oferecer formação aos membros da Comissão da Festa para melhor qualificar a sua atuação na mesma.
5º - Socializar a experiência na própria escola, com outras escolas e ampliar esta troca em relação ao nível interescolar, municipal etc.
6º - Ampliar a comunicação na escola e dar retorno permanente à comunidade escolar sobre o resultado dos trabalhos e das atividades desenvolvidos, inserindo-a na avaliação dialógica deste processo.
7º - Analisar e interpretar permanentemente os resultados parciais da leitura do mundo, em especial, nas suas dimensões social, política, ambiental, econômica - enfim, cultural, realizando a transposição do resultado deste trabalho para o Marco Referencial do PPP da escola, no qual se registram a visão de mundo da comunidade escolar, suas utopias e os seus sonhos de uma escola melhor.
8º - Atualizar o direcionamento do olhar em relação a determinados enfoques e dimensões que se deseja pesquisar e/ou aprofundar, tornando a festa um evento permanentemente atualizado em suas linguagens e atividades.
São vários os formatos possíveis de realizar a Festa da Escola Cidadã. Cada unidade escolar tem a possibilidade de escolher o seu. O importante é sempre nos perguntarmos sobre como podemos manter, melhorar e ampliar o processo de leitura do mundo, que também não se limita à realização da festa. Nesse sentido, algumas questões são sempre recomendadas. Por exemplo: como ampliar a leitura do mundo? Quais as características das dimensões administrativa, pedagógica, financeira, social e cultural da escola e da comunidade? Os olhares dos vários segmentos escolares estão sendo contemplados? Quais perguntas já nos fizemos e quais ainda não foram feitas? As respostas às nossas perguntas são resultados da maioria dos sujeitos escolares ou resultam de uma consulta mínima, pouco representativa se comparada à amplitude da relação entre escola e comunidade?
O PPP da escola, partindo dessa “leitura do mundo” e assim construído contribui para a definição das políticas públicas educacionais e para a necessária continuidade administrativa. Metas e objetivos são definidos e avaliados para períodos que transcendem a duração dos mandatos dos cargos públicos, executivos ou legislativos. O projeto da escola pode ser pensado, por exemplo, para 2 a 10 ou mais anos, dependendo da capacidade dos seus segmentos e de sua comunidade de resgatar as experiências instituídas, considerar as vivências do presente e de pensar o futuro.
O caminho aqui sugerido procura contribuir com a construção da autonomia da escola, dos educadores e dos educandos como agentes curriculares e, numa dimensão mais ampliada, com a autonomia da própria sociedade. Construir o PPP da escola, na perspectiva da Escola Cidadã, implica a construção do projeto de uma sociedade que, dessa forma, pode ir também se tornando mais bela, prazerosa, aprendente; enfim, mais justa e solidariamente humanizada.
BIBLIOGRAFIA
ANTUNES, Ângela. Leitura do Mundo no contexto da planetarização: por uma pedagogia da Sustentabilidade. Tese de doutoramento. São Paulo, FE-USP, 2002.
_____. Aceita um conselho? Como organizar o Colegiado Escolar . São Paulo, Cortez/IPF, 2002).
_____. & PADILHA, Paulo Roberto. Projeto político-pedagógico, leitura do mundo e a Festa da Escola Cidadã. São Paulo, Instituto Paulo Freire. 2002. (mímeo), 13p.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo, Paz e Terra, 1997.