Qualidade para quem? Por Caren Victorino Regis
28/10/2010
Hoje vim para refletir um pouco sobre a “Carta-compromisso pela garantia do Direito à Educação de Qualidade”[1], assinada por diferentes entidades e que está dirigida aos futuros governantes e parlamentares do Brasil (como o próprio subtítulo indicada), em que reforçam a importância da Educação para um Brasil melhor, mais justo, menos desigual e que promova melhorias na vida social e econômica dos brasileiros. Confessamente não tecerei profundas explicações, mas gostaria de refletir sobre pontos importantes que estão na referida carta e que muito nos dizem sobre a situação educacional de hoje.
O primeiro ponto que gostaria de comentar diz respeito à
seguinte afirmação: “garantia de que, até o ano de 2014, todas e cada uma das crianças brasileiras até os 8 anos estejam plenamente alfabetizadas”. Pergunto, como? Quando falamos em alfabetização devemos ultrapassar os muros inflexíveis da simples codificação e decodificação de códigos e símbolos, ou seja, a alfabetização é um processo que ocorre ao longo da vida, e não pelo simples fato de se ler e escrever. Portanto quem está plenamente alfabetizado aos 8 anos de vida? Quando se estará plenamente alfabetizado?
Sabemos que sempre estamos a descobrir coisas novas, aprender, inclusive em termos de leitura e escrita em que há uma imensidão de possibilidades e porque reduzir o conhecimento a isso, a uma alfabetização mecânica? Outros conhecimentos também não são muito importantes e passíveis de se saber aos 8 anos de idade? Por que a insistência em se aprender apenas o português e a matemática? Para a realização das avaliações em larga escala, como o Saeb e a Prova Brasil (depois falaremos mais sobre isso)? É reducionista o entendimento de alfabetização desta forma, pois demonstra como a escola ainda se preocupa com seus deveres e lições que só cabem nela, não interessada no que existe para além dela, ou seja, alfabetizar para a “leitura de mundo” e não para o livro didático ou de literatura para fazer a prova bimestral. A crítica aqui se fixa no reducionismo que a educação escolarizada ainda teima em se firmar, não que consideremos menos importante os tão falados “conteúdos”, mas estes devem ter um significado e importância real na vida das pessoas que o apreendem, para não se tornarem “coisas de escola”.
Continuando na mesma linha de reflexão, falaremos de outro ponto que é a exigência de “padrões mínimos de qualidade para todas as escolas brasileiras”. Mas de qualidade estamos falando? A mesma que se preocupa com as avaliações de larga escala e com crianças, supostamente, plenamente alfabetizadas aos 8 anos? A qualidade em que se implementam escolas de tempo integral para se fazer reforço escolar, ou seja, mais tempo do mesmo?
Quando falamos em qualidade devemos ter claro o que dizemos, pois esta palavra é carregada de subjetividade, sendo polissêmica, possuindo múltiplos sentidos. Portanto, devemos pensar sobre esta desejada qualidade, um exemplo é o atual ranking que se faz com as escolas de Ensino Médio com o resultado do Enem, como se as escolas que estivessem no topo fossem as melhores, porque aprovam no vestibular. É dessa qualidade que estão falando? Que se preocupa com vestibular desde a educação infantil, que não visa outras dimensões do ser humano, em que apenas as disciplinas consideradas de base (português, matemática, história, geografia, dentre outras) são necessárias e valorizadas. Nesse caso um bom ator de teatro, um músico, um atleta, quaisquer habilidades e conhecimentos de nada adiantariam, pois o que importa é saber matemática e português. Podemos, portanto, conceber a Qualidade para além dos conteúdos escolares, que não são resultado do conhecimento da humanidade, e sim escolhas pensadas para formar trabalhadores produtivos sem criticidade, reflexão, ação, pois sabemos, a escola foi criada para esta dualidade, formar os que mandarão e aqueles que obedecerão. Desta forma, não afirmo que nada possa mudar, ou não tenha mudado, mas para tanto precisamos repensar esta escola e os discursos que propagamos quanto a ela, e isto significa não repetir que devemos ter uma escola de qualidade, sem fixar que qualidade é esta e para quem ela estará servindo.
Sem me estender, gostaria ainda de pensar com vocês sobre a exigência de “aperfeiçoamento das políticas de avaliação e regulação”, me pergunto com franqueza: para que servem essas políticas de avaliação, ou formulando melhor a pergunta, do que adianta essas provas padronizadas (tanto da Educação básica quanto do Ensino Superior) para a real aprendizagem dos alunos? É um controle no sentido de fornecer financiamento, apoio técnico, reestruturar espaços físicos, enfim uma infinidade de demandas que as instituições precisam ou apenas para obter um número e continuar a centralizar e nada contribuir para o melhoramento das escolas? Será que a avaliação será mais importante para fazer ranking das escolas e universidades, assim ampliando o valor de venda das empresas educacionais?
Estas avaliações são antigas em nossa história e o que contribuíram para a educação básica e superior públicas? Temos hoje números toscos que não nos servem de nada, apenas para endossar o discurso da escola pública desmoronada e para valorizar escolas privadas tidas como boas, ou então para ampliar o número de Ong’s e parcerias, numa falação de apoio a escola, quando na verdade amplia o setor privado. Avaliação deve ser um processo que sirva para auxiliar o estudante, garantindo a ele não uma prova esvaziada, mas algo que realmente contribua para sua formação. Logo devemos pensar se este “controle” com ares de autoritarismo e centralização, já que não proporciona gestão democrática e autonomia nas instituições, serve para algo bom para a educação básica e superior.
Esta carta assinada por diferentes entidades vem para apresentar reivindicações e colocar em pauta algumas discussões atuais sobre educação, mas isso não exime uma crítica ao que foi exposto e ao que se considera importante, pois mesmo acreditando na representatividade de algumas das entidades e significância de alguns pontos que foram colocados, devemos, nós educadores e estudantes, tomarmos ciência disso e nos manifestarmos, pois nada mais representativo que o todo.
Por fim, desejo voltar a uma afirmação dita na carta e que expus acima no texto, a preocupação com a educação, já que a partir dela os cidadãos e cidadãs devem se pautar para o desenvolvimento social e econômico do país. Fico com as seguintes perguntas: De que cidadanias estão falando? Será a educação escolar a salvadora da pátria? Fico por aqui, pois refletir sobre estas questões certamente nos dariam mais elementos, quem sabe num próximo texto?
[1] “Carta-Compromisso pela Garantia do Direito à Educação de Qualidade – Uma convocação aos futuros governantes e parlamentares do Brasil” é um documento assinado por diferentes entidades e tem como objetivo fixar os desafios prioritários da educação, pensando na construção de um Projeto Nacional de Educação. Disponível em: http://www.cee.sc.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=148&Itemid=1