quarta-feira, 8 de junho de 2011

A Educação brasileira: onde avançou e o que ainda falta avançar - Por Celso Antunes



A Educação brasileira: onde avançou e o que ainda falta avançar - Por Celso Antunes


Não temos, infelizmente, o melhor sistema educacional do mundo. Uma rápida análise de como se ensina e como se aprende neste país, de norte a sul, das séries iniciais aos cursos de pós-graduação, destaca que estamos muito distantes da excelência. Se procurarmos comparações internacionais tomando como referência múltiplos índices avaliativos, é fácil constatar que o desempenho do aluno brasileiro revela o ultraje de posições vexatórias e que países bem mais pobres e atormentados por crises mais agudas, ainda assim, oferecem opções educativas mais consistentes e podem olhar o futuro com uma esperança que não pode ser igual à nossa.

Mas nem por isso o Brasil tem apenas mazelas a lamentar. Verdadeiras “ilhas de excelência” emergem em toda parte e, ainda uma vez, a qualidade desse trabalho se manifesta de norte a sul, das séries iniciais aos cursos de pós-graduação e — o que mais impressiona — nem sempre emergindo em municípios mais ricos ou aparecendo nas cidades brasileiras de maior IDH.

Além disso, nunca como atualmente se publicaram tantas obras sobre temas educacionais, jamais a grande imprensa se voltou com a intensidade de agora a resultados do ENEM e fez tantas críticas a desvios de verbas educacionais. Se, entretanto, ainda não temos o vestibular que necessitaríamos, estamos longe de outro no qual a decoreba representava caminho inevitável. Uma fria e sintética análise do panorama educacional brasileiro neste segundo semestre de 2010 traz à tona a clássica figura de um imenso mosaico, com manchas escuras onde se destacam problemas cruciais, mas também indícios e registros prodigiosos de processos e sistemas educativos que servem de magnífica lição, e não apenas para nós, brasileiros.

Entre as marcas negativas, não se pode fugir da certeza de falta de escolas em muitos lugares e, pior ainda, da imensa presença de outras tristemente sucateadas, prisioneiras de recursos materiais indigentes, com salas abarrotadas servidas por professores mal preparados e raramente presentes. Há bem pouco tempo não existiam notas que pudessem expressar esse descalabro e assim as palavras se empalideciam por falta de estatística. Agora que tais índices se apresentam graças ao IDEB e ao ENEM, temos notas que se diluem em decimal e patinam em torno de um 4.0 em escala de zero a dez. Pior que essa situação são os labirintos que se enfrentam para dela sair.

Olhando-se para a parte mais sombria desse imenso mosaico, temos uma escola de mentira, fundamentada pelo descaso e responsável por pífia formação moral e intelectual dos que se rotulam estudantes. Números médios de 40 a 50 alunos por sala são encarados como situação “normal” sem a busca de comparações que nos remetem para 15 a 19 alunos na Alemanha e 20 alunos em Cuba. Para o quadro sombrio dessa realidade existem desculpas — algumas justificáveis, outras nem tanto.

Garante-se que nenhum país da Terra empreendeu, nas últimas décadas, o “salto quantitativo” dado pelo Brasil e que quem em tão pouco tempo colocou tanta gente para dentro da escola não poderia fazê-lo sem alguma perda de qualidade. O argumento é verdadeiro. Efetivamente, pudemos saltar de 30 a 40% de crianças fora da escola de décadas atrás, para quase todas as crianças em sala hoje em dia, e esse gigantesco esforço levou-nos a inventar professores do dia para a noite e criar salas sem satisfatórias condições ambientais. Mas que não se acredite ser essa a única razão. É triste perceber que a Educação neste país foi apenas prioridade em discursos, jamais em ação concreta e que fazer nestes trópicos o que na Coreia do Sul e Irlanda se fez custaria sólida vontade política que jamais tivemos.

Espera-se, porém, que o olhar para as manchas escuras do mosaico não oculte a verdade de que existem também, neste mesmo Brasil, escolas públicas e particulares excelentes, cursos de primeira linha que nada, absolutamente nada, ficariam a dever se comparados com sistemas de educação de excelência incontestável. A certeza dessas admiráveis “ilhas” de exceção que em todo o território nacional se percebe constitui ao mesmo tempo uma afronta e um estímulo. Afronta, porque as razões que as fazem existir são claras, plausíveis e aplicáveis em qualquer lugar desde que exista seriedade e persistência e, portanto, quando não se evidenciam provas cabais de omissão criminosa. Mas não podemos esquecer que essas escolas e cursos de qualidade notável constituem também estímulo para ser apropriados por quem desejar fazê-lo.


As excelentes escolas brasileiras, principalmente públicas, são as que são administradas por educadores, por profissionais que, pelo menos há mais de três anos, estão trabalhando no mesmo lugar e não por cabos eleitorais itinerantes e inconsequentes. Seus professores possuem sempre formação adequada e são periodicamente estimulados a ler, pesquisar, aprender, transformar-se. Por sua vez, seus alunos possuem jornadas de ao menos um pouco mais que as trágicas 25 horas semanais. São escolas em que as estratégias de ensino não se ocultam através de paredes indevassáveis, onde foi descoberto o caminho seguro de se premiar o mérito, onde se criaram “intervalos inteligentes” com alternativas de saberes e, sobretudo, onde aulas não são intermináveis e repetitivos discursos, mas situações de aprendizagem criteriosamente planejadas para promover o protagonismo e a linguagem significativa do aluno, a efetiva construção de novos saberes e o consciente despertar prático de competências diversas.

É essencial que se ressalte que não se está buscando, de maneira alguma, dourar a pílula. Os fundamentos anteriormente destacados foram colhidos em escolas públicas que surpreenderam a todos nos resultados dos Índices de Desenvolvimento da Educação Básica e que contemplaram análise do país inteiro. A surpresa desses números é que tais escolas não apareciam necessariamente em municípios ricos — mesmo quando se toma agora como referência o ENEM e se volta o olhar para escolas particulares, ainda uma vez surgem resultados excelentes em Teresina (PI) e em outras cidades do Norte e Nordeste em intensidade maior dos que surgem em ricas estâncias climáticas, enfeitadas por seus hotéis estrelados. A conclusão parece ser extremamente plausível: para mudar de cor as manchas escuras do tenebroso mosaico de uma Educação falida, sejam elas escolas particulares ou públicas, desta ou daquela região geográfica, existe uma “lição a fazer” e esta não constitui surpresa para quem quer que seja. Ou se faz a lição ou se busca desculpa para uma Educação de ínfima qualidade. Vamos, então, aos passos iniciais desta jornada:

1. Quanto ao(s) gestor(es)
Dirigir uma escola, seja qual for seu nível e característica, é bem mais complexo do que administrar um depósito de ferramentas. Exige que esse gestor saiba o que é educar, atualize-se sempre sobre avanços relativos à cognição e à inteligência, compreenda que não pode existir verdadeira equipe pedagógica sem um Código de Ética que a integre e avalie e, sobretudo, que conheça a fundo qual o verdadeiro papel e o verdadeiro sentido de uma escola, tanto como espaço cognitivo quanto como centro instigador de competências e estimulador da sociabilidade. Em síntese, que seja um verdadeiro gestor e não apenas quem conquistou esse título sem esforço verdadeiro ou quem se autoatribuiu esse mesmo título.

2. Quanto aos professores
Desses profissionais espera-se, como tarefa mínima, que cumpram seus horários e programas, planejem suas aulas e organizem mecanismos eficientes de avaliações significativas. Mais do que isso: que descubram que não existe titulação de validade perene e que, dessa maneira, estudem muito e estudem sempre, discutam e aprendam, abram suas aulas aos colegas para que a examinem e critiquem e saibam aprender com seus pares tudo quanto de essencial um educador maiúsculo precisa possuir. Em síntese, que sejam verdadeiramente professores e não prosaicos “professauros”, repetindo hoje o que dez anos atrás faziam.

3. Quanto aos alunos
Que fiquem mais tempo em aula e que, mais do que dominar informações, descubram conhecimentos e valores. Que saibam verdadeiramente pesquisar, que aprendam a argumentar, que compreendam o que precisam ler e abracem a leitura como instrumento de grandeza e não obrigação, que saibam progredir em sua socialização, em sua leitura do mundo, em seu respeito ao outro, no culto de valores essenciais. Que conquistem uma visão sistêmica e que, tendo de deixar incompleto seu curso, demonstrem nível de eficiência e de capacidade profissional que corresponda ao ponto que alcançaram.

4. Quanto à escola
Não se requer palácios, salas aromatizadas e corredores iguais aos de um hotel cinco estrelas, mas que tenha um mínimo de conforto material, onde alunos podem sempre se sentar, encontrar livros, dispor de computadores, descobrir áreas para pesquisar o meio ambiente e o entorno. Que tenha menos aulas expositivas e bem mais situações de aprendizagem que lhes ensinem a sensibilidade para aprender a conversar e não apenas falar, enxergar o mundo e não somente olhar sem que se aperfeiçoe a sutileza para as descobertas.

5. Quanto às aulas e situações de aprendizagem
Que sejam desafiadoras, propositoras e que estimulem descobertas. Que envolvam o aluno não mais na condição de espectador, mas no papel dinâmico de protagonista de seu processo de crescimento. Que sirvam menos para registrar fatos, mas para acentuar a reflexão sobre estes e que ensinem os educandos a discutir, argumentar e contextualizar o que recebem de seus professores como instrumento para compreender melhor a vida que nos aguarda além dos muros e além do dia seguinte.

6. Quanto aos currículos escolares
Que se priorize qualidade e não quantidade. Que permita ao aluno filtrar e organizar esse verdadeiro tsunami de informações contemporâneas e que ajude os estudantes a estruturar seus pensamentos e se movimentar com segurança no turbilhão de notícias, priorizando o que é essencial para pensar a política como ferramenta de ação e não como abrigo de mentirosos. Que o currículo não mais seja visto como uma pilha de disciplinas independentes amontoadas sem integração, mas como expressão de conquistas racionais indispensáveis para se olhar o mundo e compreender as pessoas. Que não se informe em excesso e que tudo que for ensinado seja explorado em profundidade. O Brasil precisa de um ensino com menor volume de ideias apresentadas, mas estudadas a fundo e aplicadas com vistas ao entorno e sua vivência profissional. Que a vida e sua sustentabilidade possam ser o grande tema curricular, em torno do qual uma eficiente interdisciplinaridade integre teorias e sua prática. Enfim, que nossos alunos aprendam a lidar com o conhecimento.

É evidente que essa breve análise não abriga a pretensão de salvar a Educação nacional. Representa apenas singela opinião de um professor e, como tal, necessita do confronto de outras e da saudável polêmica de possíveis discordâncias. Mais ainda: pretende propor pragmatismo ao PDE e assim se apresenta como tímido rascunho sobre as peças de um mosaico e que sabe não ir além de um primeiro passo, mas que admite que jornada alguma se conquista sem um passo inicial.

Fonte: http://blog.educacional.com.br/articulistaCelso/

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